A MORTE DAS MASCOTES
Como sempre, vamos começar explicando o que é uma mascote:
Mascote s.f. 1 Pessoa, animal ou coisa que supostamente traz sorte 2 Bicho de estimação
Mascote s.f. 1 Pessoa, animal ou coisa que supostamente traz sorte 2 Bicho de estimação
Essa é a definição do dicionário Houaiss, mas no mundo da
comunicação visual, mascote é o personagem que representa uma marca, empresa,
produto, evento etc.
Mas pra que serve uma
mascote?
A princípio, uma mascote humaniza a marca (ou empresa,
produto, evento etc.), criando um novo e diferente elo entre produto e público.
Este “elo” funciona numa série de situações e pode trazer diversos tipos de
retorno financeiro ou publicitário, dependendo do que se vende e pra quem. Pode
ser meramente a quebra da “frieza” entre a marca e o consumidor ou pode até
mesmo significar a diferença entre a fama e o anonimato.
Há muitas décadas, as mascotes são usadas no mundo todo para
vender, comunicar ou só pra ilustrar. E, de tão bem sucedidos, alguns são
conhecidos e lembrados em várias partes deste planeta, sempre carregando
consigo seus respectivos produtos: o tigre Tony, o coelho Quick, o “homem-pneu”
da Michelin, Ronald McDonald, o tigre Esso, os “MMs” etc.
E é só dar uma olhada nos mercados Americano e Japonês para
ver a quantidade gigantesca de personagens usados pra vender de tudo.
Mas onde nós, brasileiros, entramos nisso?
O Brasil e suas
mascotes
Apesar do sucesso ao redor do mundo, hoje em dia no Brasil
há “aura” de menosprezo entorno da ideia de mascotes. Uma série de preconceitos
estranhos, erros de interpretação de resultados, aliados à falta de conhecimento
e preparo, levam a esta atitude. Mas nem sempre foi assim.
Até o início da década de 1990, a publicidade usava e
abusava de personagens para vender todo tipo de coisa, sendo uns mais do que
bem sucedidos.
Quem aí tem mais de 25 anos, deverá se lembrar de mascotes
como o “franguinho” da Sadia,
o “azulão” dos cotonetes Johnson & Johnson,
o detetive da Bardahl e sua galeria de vilões,
o Bocão da Royal,
a Galinha Azul da Maggi,
o Bond Boca da Cepacol e outros. Todos os exemplos de sucesso de público e vendas em sua época –
alguns ainda usados até hoje.
Todos estes personagens (e outros) fizeram muito sucesso em
seus nichos, aumentaram vendas, criaram empatia com o consumidor... mas tiveram
um sucesso absurdo com o público infantil.
Claro, sendo as crianças um público mais aberto a novidades
e menos preconceituoso, além de ser mais acostumada com a linguagem visual em
questão, não era de se estranhar que elas fossem as primeiras a se identificar com
mascotes, mesmo os produtos vendidos não serem destinados a elas (como
enxaguante bucal, lubrificante de carro ou cotonetes). Não era de se estranhar,
mas o fato é que se estranhou...
O pensamento geral que se seguiu foi que o uso de mascotes
“infantilizava” a marca... um completo erro de interpretação dos resultados das
campanhas!
E assim sendo, no fim dos anos 90, esse erro de pensamento somado a ideias
ruins e campanhas de extremo mau gosto, levaram essa ferramenta de comunicação
quase à extinção.
Mais do que isso! Esta mentalidade criou toda uma geração de
publicitários que não entendem e não sabem usar personagens como ferramenta de
comunicação e venda. Não sabem.
Cada vez menos vemos campanhas ou materiais que usem tal
ferramenta – a não ser, quando voltado para crianças – e quando o vemos são,
normalmente, mau usados.
Não há o direcionamento correto, não há um trabalho de
criação e desenvolvimento bem executados, muitas vezes nem há um profissional
deste ramo (um ilustrador) envolvido no projeto ou na criação.
Logo, contamos nos dedos os mascotes que surgem hoje em dia
e limitamos a contagem a apenas uma das mãos quando contabilizamos aqueles que
“dão certo”.
E o licenciamento?
Uma das fórmulas mais comuns de se usar personagens como
ferramenta de venda é o licenciamento.
O princípio é simples: O empresário pega um personagem já
existente e divulgado em outras mídias e “empresta” seu prestígio e fama para
agregar à sua marca.
É o que costuma acontecer com personagens de filmes,
desenhos animados, HQs etc.
E vendem de tudo: de itens colecionáveis a cuecas e meias.
Claro que a força de um personagem já admirado por um
público é uma jogada muito lucrativa para quem a usa, afinal ele já efetivou a
relação empática e afetiva com o consumidor.
É meio caminho andado.
Porém, há personagens que fazem o caminho inverso: São
inventados como ferramenta de venda e acabam se espalhando para outras mídias
(ou simplesmente vendem bem os produtos sem ter que migrar pra lugar nenhum).
Personagens como estes foram idealizados e produzidos para
venda, só. E o sucesso é nítido.
Essa prática é muito comum fora do Brasil, mas, pra variar,
o empresário tupiniquim caminha na contramão.
Em terra brasilis, o comum é comprar aquilo que é produzido
fora e vender aqui dentro.
Claro que, quando falamos de um personagem como o Batman ou
o Ben10, isso é uma grande ideia, afinal o personagem já é amplamente divulgado
e as chances de sucesso sobem substancialmente.
Porém, todo ano, o mercado de licenciamento brasileiro é
inundado de personagens obscuros e estranhos vindos dos EUA, Japão e China e
que não vão pra lugar algum.
O empresário vai lá e “compra” os direitos de uso de um
personagem completamente desconhecido e tenta lança-lo aqui, sem pensar em
questões mercadológicas, estéticas ou conceituais que tenham conexão com seu
público alvo.
Ou seja, sem saber ele lança à mera sorte o seu investimento.
Também não consegue perceber que o investimento naquele
personagem coreano obscuro é equivalente ao que ele usaria para contratar um
profissional do ramo para criar algo mais “sob medida” para ele e mais pensado
para seu público.
Ele prefere arriscar com algo de fora que não foi pensado
para nós do que se arriscar com algo focado na nossa sociedade. Risco por
risco, ele escolhe o menos lógico...
Mas, isso ainda é melhor do que a “outra” postura comum ao
empresário de licenciamento brasileiro: a carona no sucesso alheio.
O pensamento é o seguinte: Vejo o que a concorrência lança e
que vende bem. A partir disso, eu, empresário, vou lá e contrato alguém para
fazer “igual, mas diferente”, na esperança de vender bem como meu concorrente.
A primeira vista, para os olhares mais incautos, isso pode
parecer uma boa sacada... “Aproveito o sucesso do meu concorrente e vendo o
mesmo produto”. O problema é que TODO mundo tem a mesma ideia brilhante e
acabam inundando as prateleiras de produtos iguais, o que leva a um ou dois
produtos vendendo bem e os demais indo “pro buraco”.
Ou seja, é novamente tão custoso e arriscado quanto criar um
produto original.
Mas é aí que vem o ponto importante: Quando as coisas dão errado
por causa destas ideias brilhantes de personagens pensados para outros públicos
ou ser a cópia da cópia, os empresários “tapam o sol com peneira” e culpam as
coisas mais absurdas – o público enjoo deste tipo de coisa, “verde” não vende
bem, isso ou aquilo tá fora de moda... e por aí vai.
Mas “criar” não.
Os mascotes e o
esporte
Aqui entra a força da tradição: Todo grande evento esportivo
ou grandes times, têm seu mascote.
A origem disso tem ligação com o conceito de “trazer sorte”,
mas é usada para “trazer dinheiro” também.
A cada grande evento esportivo (olimpíada, copa do mundo,
jogos de inverno...) surge um novo mascote e, com ele, uma série de produtos
agregados (camisetas, bandeiras, bonecos, brinquedos etc.).
Mas o uso do mascote nos esportes não fica restrito apenas
aos grandes eventos internacionais. Os esportes regionais também têm seus representantes:
Os times de basquete da NBA, de baseball japoneses, de hóquei canadense e os
times de futebol brasileiros.
Fora daqui, estes mascotes esportivos viram produtos,
reforçam a marca e estimulam a imaginação e a fidelidade do torcedor. São
usados em campanhas, colecionáveis etc.
Já aqui, pra variar, eles são muito pouco aproveitados...
O brasileiro é um ávido consumidor de itens relacionados ao
esporte bretão e há uma extensa lista de times existentes. E desta lista, provavelmente
todos têm mascotes. Dos mais óbvios (o “São Paulo” do São Paulo) aos mais
estranhos (como o “Peixe” do Santos, que na verdade é uma baleia...), todo time
tem o seu.
De tão forte e marcante que são as mascotes, alguns times acabam
até mesmo ganhando outros não oficiais, como a águia da Gaviões da Fiel
(águia... gaviões...), torcida organizada do Corinthians (cujo mascote oficial
é um mosqueteiro) ou o “Mancha Verde*”, da Mancha Verde, torcida do Palmeiras
(que tem como mascote oficial um periquito).
*Obs.: O “Mancha Verde” da Mancha foi
“emprestado” da Disney... lá ele é o Mancha Negra, vilão das histórias do
Mickey – o que reforça a ideia de que os personagens marcam muito o imaginário
das pessoas.
Mas, mesmo com toda essa fartura de times e personagens, os
mascotes são pouco e mau usados pelo marketing esportivo brasileiro.
Vai entender...
Mas os mascotes
funcionam mesmo?
Se você ainda está na dúvida da eficácia de um mascote bem
usado, mesmo após ter lido aqui tantos exemplos e, provavelmente, lembrado de
tantos outros (e se você lembra é porque já funcionou), vamos analisar algumas
histórias...
O caso “Papai Noel”
O Papai Noel é, provavelmente, o mascote mais famoso do mundo. Praticamente, todo o mundo o conhece – e sim, ele é um “mascote” porque é usado para simbolizar e “vender” o Natal, que é, na verdade, um feriado religioso para celebrar o nascimento de Jesus – nada a ver com o bom velhinho.
O Papai Noel é, provavelmente, o mascote mais famoso do mundo. Praticamente, todo o mundo o conhece – e sim, ele é um “mascote” porque é usado para simbolizar e “vender” o Natal, que é, na verdade, um feriado religioso para celebrar o nascimento de Jesus – nada a ver com o bom velhinho.
Claro, há várias controversas sobre a origem da lenda do
Noel e sua relação com o feriado do natal (e não nos cabe discuti-las aqui),
mas o ponto é que foi apenas quando a Coca-Cola se aproveitou do visual criado
pelo ilustrador Thomas Nast (que não o fez sob encomenda da Coca, como
dizem muitos por aí) que o bom velhinho se tornou popular. REALMENTE popular.
A lenda já existia há muito tempo e tinha até alguma
popularidade dentro dos EUA (aliás, o personagem já havia sido usado como
garoto-propaganda antes, pela White Rock Beverages, em 1915 e pela Ginger Ale,
em 1923), mas foi só com a campanha da Coca-Cola, por volta de 1930, que a
coisa ganhou o mundo.
A empresa de refrigerantes aproveitou o que Nast fizera com
as cores do personagem (antes dele representado com cores derivadas de verde e
azul), que coincidiam com as cores da marca, e o usou como mascote em sua
campanha de Natal, ilustrada por Haddon Sundblom. E a coisa foi mais do que bem
sucedida.
Tão bem sucedida que funciona até hoje e popularizou a
imagem do velhinho vestido de vermelho, preto e branco.
O caso do elefante e
o molho de tomate
A ideia não podia soar mais absurda: Colocar um elefante verde na embalagem de um molho de tomates.
A ideia não podia soar mais absurda: Colocar um elefante verde na embalagem de um molho de tomates.
O elefante em questão é o Jotalhão, criado por Mauricio de
Sousa e de conceito direcionado para o público infantil, e o produto é o
Extrato de Tomates da Cica, destinado a donas de casa.
Olhando de maneira fria, não tem o menor cabimento! Mas, não
podia ter dado mais certo...
Por mais insólita que fosse a ideia, o molho de tomates
vendeu muito bem obrigado e a combinação destes dois elementos fizeram o
extrato ficar conhecido em todo o Brasil como o “molho de tomate do Elefante”.
Um apelido que permanece até hoje.
O caso do palhaço
Aqui no Brasil o palhaço Bozo ficou conhecido pelos programas de TV apresentados nos anos 80, mas poucos sabem que ele na verdade é um personagem estadunidense criado em 1946 por Alan W. Livingston.
Aqui no Brasil o palhaço Bozo ficou conhecido pelos programas de TV apresentados nos anos 80, mas poucos sabem que ele na verdade é um personagem estadunidense criado em 1946 por Alan W. Livingston.
O que ainda menos pessoas sabem é que o Bozo também foi o
primeiro garoto propaganda de uma pequena lanchonete americana chamada
McDonald’s.
A criatura de cara branca e cabelos vermelhos tornou-se
então o motivo do sucesso da lanchonete, que explodiu em vendas na década de
50.
Mais tarde (na década de 60), a lanchonete – que a esta
altura já tinha diversas franquias espalhadas pela terra do Tio Sam – fez uma
substituição de palhaços: trocou o Bozo pelo Ronald McDonald, este último usado
até hoje e reconhecido por cerca de 96% dos norte-americanos.
O Bozo, por sua vez, continuou agregando sua imagem a muitos
produtos durante os 30 anos que se seguiram de sua criação.
Dois palhaços que funcionaram muito bem como mascotes.
O caso “Dollynho”
Ok, o Dollynho não é nenhum exemplo de “um trabalho bem feito”, mas o fato é que o personagem tirou o refrigerante de guaraná do anonimato.
Ok, o Dollynho não é nenhum exemplo de “um trabalho bem feito”, mas o fato é que o personagem tirou o refrigerante de guaraná do anonimato.
Claro que o Dollynho ficou mais conhecido por sua limitação
técnica, mas o mascote cumpriu o seu papel no final das contas: chamou atenção
para um produto desconhecido, colocando-o entre os refrigerantes mais
consumidos do país.
Fez isso pelo caminho mais estranho possível, mas fez. Tosco,
mas eficiente.
Moral da história
Enfim, poderia passar muito mais tempo falando de mascotes e
citando exemplos de como eles funcionam ou como alguns são mau usados, mas não adiantaria
nada.
O fato é que nos anos 2000 os mascotes, outrora ferramentas
poderosas de comunicação, estão jogados de lado no mundo da comunicação visual,
descartados porque as pessoas à frente das empresas e agências simplesmente não
sabem como usá-los.
São uma espécie ameaçada de extinção...
Muito bom texto. Concordo plenamente. Parabéns.
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