quinta-feira, 6 de janeiro de 2000

TXT Quadrinhos


Por Danilo Beyruth

Quando comecei a fazer quadrinhos uns anos atrás, sempre que tinha dúvidas recorria ao pessoal da comunidade que gira em torno da produção de HQs aqui em SP, e todo mundo era super solícito, me ajudava muito, dava dicas e respondia minhas inúmeras perguntas.

Mas tem sempre um ou outro que, apesar das boas intenções, às vezes acha que sabe a única fórmula existente para o sucesso.

Pra dar um exemplo de como não acredito numa única fórmula de sucesso, resolvi analisar as diferenças entre dois quadrinistas importantes, diferenças não só de estilo, mas de carreira e abordagem. Pra mim são o Elvis e o Chuck Berry dos quadrinhos que, apesar de abordagens completamente diferentes, deixaram uma influência clara no trabalho de muitos dos grandes autores de hoje. Estou falando de Alexander Toth e Jack Kirby.

Toth era técnica.

Aos 15 anos, começou a trabalhar com desenho, sua ambição era a de fazer tiras de jornal (do tipo serializado, com uma história contínua) como os mestres Milton Caniff, Alex Raymond e Hal Foster. Mas com o tempo seu trabalho foi tomando outra direção: histórias em quadrinhos propriamente ditas e storyboards e concept art para as animações da Hanna-Barbera.

Toth foi o Bruce Timm (o cabeça pensante por trás da série Batman Adventures, que influencia até hoje TUDO que a DC faz de animação) de seu tempo. Para quem assistia tv no começo dos anos 80, Toth era uma presença invisível na sala de estar: Super Amigos, Space Gost, Sealab2020, Fantastic Four (baseado no trabalho de Jack Kirby), Herculóides. Se vc estava sentado na frente de uma TV, estava sob a influência do trabalho dele, e não era por nada. O trabalho de Toth se prestava tanto à animação, quanto aos quadrinhos, porque mesmo quando fazia quadrinhos Toth era econômico, sintético e eficiente acima de tudo.

Toth tinha um profundo desejo de se aperfeiçoar, era um perfeccionista e crítico mordaz do próprio trabalho (e dos outros também). Seu estilo era sintético e sua lógica era a do menos é mais, onde tudo que entra no quadro tem um motivo para estar lá. Acho que a palavra que mais resume o que Toth fazia era FUNCIONAL. Toda escolha dele era refletida, tudo era pensado.

Kirby era energia.

Se a explosão de personagens e criatividade que a Marvel teve a partir de 1961 teve um ponto de partida, foi a parceria de Stan Lee E Jack Kirby. Já trabalhava com quadrinhos desde 36, já havia colaborado na criação do Capitão América e já havia visto o gênero dos super-heróis declinar depois da guerra.

Enquanto Toth era um artista no sentido mais completo da palavra, Kirby era um artesão. Era capaz de produzir 15 páginas de lápis por semana, o equivalente a 3 séries por mês. A abordagem dele era prática, queria produzir mais páginas para poder ganhar mais, o que não tirava do seu trabalho nem uma grama de criatividade. A parceria com Stan Lee era marcada por uma enorme liberdade dada pelo roteirista/editor, que fechava com Kirby uma ideia solta de roteiro e deixava que o desenhista desenvolvesse a arte sozinho, para só depois de pronto colocar o argumento, adaptando-se ao que havia sido desenhado. Talvez seja esse método que possibilitou a Kirby desenvolver o que acredito serem as páginas mais vigorosas e explosivas dos quadrinhos. O que se observa no trabalho de Kirby é que cada um dos quadros está igualmente prestes a saltar em direção ao leitor.

Qual o ponto de comparar os dois?

História em quadrinhos é uma forma de arte multidisciplinar. Roteiro, argumento, diagramação da página, diagramação dos quadros, anatomia, desenho, finalização, utilização de áreas de sombra e luz para criar profundidade, perspectiva; todo autor tem pontos fortes e pontos fracos, características que o seu trabalho ressalta e outras que ele só cumpre formalmente, dentro da média, até mesmo para equilibrar outros pontos de mais destaque. Como instrumentos musicais que têm que se equilibrar para que o todo não vire só barulho.

De certa forma, os trabalhos de Toth e Kirby estavam em extremos opostos do espectro. Toth era formal, lógico, eficiente. Kirby era expressivo, energético e exagerado. Cada quadro de Toth era estudado com o objetivo de contar a história com eficiência. Cada quadro de Kirby era uma explosão de energia feita para envolver o leitor até o fim do gibi. Ambos eram muito bons, tinham um trabalho sensacional, e os dois entregavam HQs impressionantes e efetivas, que comunicavam a história com sucesso. Kirby era mais popular (se bem que a influência de Toth foi muito além das HQs), enquanto o trabalho de Toth era muito admirado pelos próprios colegas.

HQ é uma forma de arte flexível, que aceita o uso de abordagens completamente diferentes e ainda assim gera resultados interessantes. HQ não é engenharia, em que o número de soluções para um problema é limitado pela lógica e pela logística. É a forma como você mistura os diversos ingredientes.

Tem que treinar muito, ter conhecimento das técnica. Mas, no fundo no fundo, HQ, você faz do seu jeito.

LINKS
Toth:
http://www.tothfans.com/glist.php?action=all&type=new
http://www.comicartville.com/tothgallery.htm
http://www.animationarchive.org/labels/Alex%20Toth.html
http://www.collectingfool.com/tothgallery.html
http://www.comicartcommunity.com/gallery/categories.php?cat_id=154&sessionid=838bacfeef213514d40c521b4a95e527

Kirby:
http://whatifkirby.com/gallery/comic-art-listings
http://kirbymuseum.org/
http://www.youtube.com/watch?v=17eeZPl_Pgo
http://comicartcommunity.com/gallery/categories.php?cat_id=55&sessionid=e2c8352eb6c7601761efe4adff02b216
http://www.youtube.com/watch?v=17eeZPl_Pgo&feature=player_embedded

12 comentários:

  1. Gostei muito!!! Vida longa e próspera a sua coluna!!!

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  2. Muito bem colocado, e ótimos exemplos! Vida longa à coluna, Danilo!

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  3. Ótima coluna, Danilo. Espero ler mais nas próximas semanas.

    Foi muito legal você ter falado do Toth. Não sei se você viu circulando pela internet uma crítica bem dura que o Toth fez de umas páginas do Steve Rude. É uma ótima janela para entender o pensamento do cara, uma verdadeira aula.

    Pra quem não conhece, fale muito a leitura: http://www.conceptart.org/forums/showthread.php?p=1024328

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  4. Achei um link onde dá pra ler com mais clareza e tem as respostas do Rude: http://www.illdave.com/comicbooks/history/toth-critiques-rude.htm

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  5. Sensacional artigo, Danilo! E grande frase no fechamento! Parabéns!
    Abraço,

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  6. Estréia muito boa, Danilo!

    Esperarei pelas próximas, aqui no Quanta conversa.

    Abraços.

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  7. Muito bom cara!Quem dera que outros autores tivessem essa visão.Aguardo as próximas,até!

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  8. Grande Weberson!Afiadissimo no traço e no texto,muito bom!

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  9. Gostei bastante do texto e concordo com seu ponto de vista. HQ é uma arte muito pessoal! =)

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  10. Legal que as duas últimas edições da revista Mundo dos Super-Herõis, coincidentemente, trazem ambos artistas que foram mencionados no seu texto.
    Pra uma estréia de coluna, vc foi muito feliz na sua abordagem: contrapontos na arte. Fora outros pormenores que você citou muito bem.
    Acho bem legal a idéia de se discutir as grandes variações de técnicas e abordagens artísticas.
    Tanto Toth como Kirby exercem influência enorme na minha tentativa patética de ser artista.
    É inevitável. Eles estão presentes no inconsciente das pessoas que têm mais de 35 anos e são apaixonados por quadrinhos ou desenhos de TV.

    Aguardo a próxima coluna.

    Sucesso!

    http://barulhodigital.blogspot.com/

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  11. Danilo, você me fez entender o motivo pelo qual eu tanto adorei "Os Novos Deuses" de Jack Kirby! Embora eu sempre priorize como referencia trabalhos mais na linha de Alex Toth, a forma de Kirby conduzir uma história era vigorosa!
    Energia!

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  12. Anônimo9:32 PM

    Muito obrigado a todos que comentaram! Valeu, fico feliz com o resultado que a minha singela coluna está tendo, e podem contar que todo mês tem mais!

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