sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Desenho Infantil: Parte III

Existem centenas e centenas de estilos dentro do chamado desenho infantil. E existe mercado para a maior parte deles... Dos mais autorais, pessoais até os mais “aceitos”. Por “aceitos”, quero dizer que no mercado de trabalho, muitas vezes, editores e editoras não procuram por originalidade, ou seja, não procuram por traços apurados ou estilos com muita personalidade. Certos públicos, direcionamentos de mercado e produtos, precisam de traços que justamente não sejam muito autorais para não causarem estranhamento. A maior parte do público do desenho infantil cria uma empatia muito maior com aquilo a que já estão acostumados a ver em termos de linha, de traço e estilo, e, por ser a princípio direcionado para um público ainda em formação, o desenho infantil exige, muitas vezes, a criação desta empatia imediata.

Dizendo isso, você pode entender que existe espaço para tudo... Até para os ruins. Não, não é isso que estou dizendo. Já disse anteriormente que este é um dos mercados mais complexos. E isso é verdade... Quando digo complexo não estou apenas considerando como este mercado funciona, ou seja, como os editores e editoras direcionam e se relacionam com suas exigências específicas, mas estou me referindo principalmente ao lado de formação artística exigida dos ilustradores e desenhistas.

Não é fácil criar bons estilos autorais e nem é fácil criar bons estilos entre os “aceitos”. Mas, é obvio que existem estilos autorais e aceitos bons, e também os que são ruins... Muito ruins. E isso é falta de conhecimento estético.

A maioria dos desenhistas que pretendem ingressar na área do desenho infantil, estilizado, apresentam trabalhos sem senso estético algum... Acham que fazendo bonequinhos redondinhos, “gorduchinhos” com boquinhas sorridentes é o bastante para agradar editores e arranjar um trabalho. A maioria destes artistas tem um conhecimento muito pequeno, ou nulo, sobre estrutura. Seus estudos sobre os fundamentos do desenho, sobretudo o acadêmico, são muito pobres, e quando um artista ainda está nesta fase, é difícil que o resultado final de seu trabalho na área do estilizado seja consistente. Aos olhos de certos tipos de publico ele pode funcionar, mas eles devem ter consciência de que este mesmo publico é nutrido por um certo tipo de editora, um certo tipo de linha editorial... E, muito geralmente, esta linha editorial é produzida por editoras pequenas, que, na maioria das vezes, paga muito mal ao artista... Aqui estou querendo dar uma visão mais “realista” da profissão, tocando não só no assunto arte, mas também em um que interessa a muitos... O bolso. O que quero dizer é que, até mesmo se este artista quer ter mais sucesso em sua carreira em termos financeiros, vai ter que se tornar um artista melhor.

Senso estético vem com o estudo aprofundado da forma... Não só em termos de estruturação, mas também do que chamamos de acabamento, que é a lapidação desta forma com o apuro da finalização das linhas... Que tipo de linha, de marcação de sombra, de conceito de volume, hachura e outras coisas você usará na forma que foi anteriormente estruturada... E, além disso, o tipo de estrutura combina com o tipo de acabamento em termos gráficos? Este conceito gráfico funciona bem com o conceito da história, ou do gênero que você criou? Este estilo está dentro do perfil de público que você quer? Todas estas considerações vêm acompanhadas por uma outra, também muito importante... Toda a forma, toda construção e todo acabamento, agem nas pessoas de forma psicológica... Alguns estilos são mais atrativos que outros... Alguns estilos são mais agressivos, outros causam repulsa... Estes níveis de aceitação, empatia com o público ou rejeição, são muito estudados pelos profissionais, diretores de arte, editores e tudo mais. Principalmente no desenho infantil.

Este estudo sobre a forma passa, necessariamente, pelo que ela vai significar, simbolizar nestes dois segmentos da criação do estilo: construção e acabamento. E é aqui, de novo, que entra o estofo cultural do artista... E o que esse conhecimento intelectual vai agregar, acrescer, no que está sendo representado e apresentado graficamente pelo artista a seu público.

Geralmente o artista experiente faz o que chamamos de cartografia... Que é um termo usado para definir o período a que ele se dedica para pesquisar e estudar estilos similares aos que quer imprimir em seu trabalho, e isso também é importante para aqueles artistas que são mais autorais... Quando nos tornamos autorais, a brincadeira acabou, por assim dizer... Não é muito bom o artista se colocar no patamar de autoral, dando ao seu próprio trabalho o peso de ter um estilo absolutamente pessoal, original, quando ao fazer uma pesquisa “cartográfica”, descobre outro (ou outros) artista que já trabalhava com aquela linha... Portanto, antes de sair falando, conheça.

A cartografia não serve para que o desenhista seja mais influenciado ou até copie o traço dos artistas que esteja estudando ou pesquisando... O bom artista deve saber a origem do pensamento que criou a estrutura ou o acabamento que o influenciou a princípio. Se você conhecer a origem daquilo que te influencia, você conhece melhor o seu trabalho. Assim como em todas as formas de expressão, o desenho infantil também não surgiu do nada, ele se desenvolveu... Um trabalho influenciou outro, que influenciou outro, que influenciou outro e por aí vai. Saber isso, entender este processo, conhecendo as transformações que aconteceram sobre cada um dos estilos, é importantíssimo. No caminho, você vai entender muitas coisas e pode até trilhar outros caminhos.

No desenho infantil, senso estético é design. Você trabalha com a alteração das formas... Transforma estas formas observadas no mundo físico real em códigos gráficos, como já disse antes. Para conseguir um bom resultado, direcionado para bons editores e editoras, o artista deve estudar história da arte, deve estudar design... Na animação, nos quadrinhos, na charge, nas tiras, na ilustração, nos concept arts do cinema, na moda, no design de interiores, nos móveis... Em tudo. Não é fácil se chegar ao resultado gráfico de um Ziraldo, de um Maurício de Souza, de artistas da Disney, da Hanna-Barbera... Não é fácil ser um Charles Schulz, um Bill Watterson, um Orlando... Isso não é só “desenho infantil”. Isso não é só “desenhar”... Isso é design.

Desenho Infantil: Parte I
Desenho Infantil: Parte II

MARCELO CAMPOS

Um comentário:

  1. tenho 19 anos e tenho como o desenho um mundo muito bom para ser desenvolvido. Não trabalho com desenho mas tento colocar neles muitos boms sentimentos e acabo por conseguir muita satisfação ao ver que as pessoas gostam do que vem e entendem seu conceito. A respeito do desenho infantil e a pesquisa de arte não tinha uma noção tão boa vista como tratado acima e fiquei impolgado com a leitura e concordo que desenhos infantis ou qualquer outro tipo de desenho não deve ser algo "gorduchinho e fofinho ou copiados de outros artistas, tal como ao artista quando procura seu estilo ao invés de ingressar em um pensamento um pouco mais humilde como citado acima o design e a estrutura do desenho".
    Muitos amadores tentam de todas as formas achar algo novo sem nem ao menos pesquisar aquilo que veio antes dele ou de seu "estilo" o que faz com que muito se perca em informação e base de formação em sua busca pela arte "perfeita" como eu chamo ou o mesmo design e conteúdo que não se encontra em todo artista. Desenhar não é só desenhar é sentir, pensar, criar, cultivar, desenvolver e é claro até mesmo amar a si próprio como ao seu proximo. Gostei muito de ter dito essas palavras e espero que muitos artistas que leram esta enquete acima possam também aprender como eu aprendi. Um abraço e fiquem com deus."Salve ao bom artista que desenha com o coração".

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