quarta-feira, 16 de abril de 2008

BEM VINDO AO DILEMA por RONALDO BARATA # 11






OS GRANDES CONFRONTOS NUNCA CONFRONTADOS DO DESENHO!
Round 3: Autor vs. Crítico

Os lutadores:
AUTOR: (latim auctor, -oris) s. m. - 1. Aquele que cria ou produz (apenas por faculdade própria); 2. A pessoa que escreve uma obra; 3. O artista que faz um trabalho; 4. Aquele que inventa ou é causa primeira de uma coisa.

CRÍTICO: (latim criticus, -a, -um) adj. s. m. - 1. Que ou quem critica, analisa. = CRITICADOR; adj. 2. Da crítica ou a ela relativo; 3. Propenso à crítica, à censura; 4. Em que há crise ou a revela; 5. Difícil de suportar. = PENOSO; 6. Em que se está exposto a perigo. = ARRISCADO, PERIGOSO; 7. Que é muito importante. = DECISIVO; s. m. 8. Pessoa que tem por profissão a apreciação de obras ou eventos, sobretudo culturais.

Estava recentemente conversando com outros profissionais do ramo dos quadrinhos sobre questões acerca dos críticos e da crítica (daí a ideia de fazer este texto) e percebi durante essa conversa que a maioria das pessoas simplesmente não sabe como lidar com isso.

Veja, a coisa deveria ser muito simples: O autor lança sua obra, fazendo o seu “melhor” e o crítico faz uma avaliação impessoal da mesma, apontando seus pontos fortes e fracos e fechando com uma conclusão geral sobre ela, para que o público já saiba o que esperar.

Muito simples, não acham?
Claro que não é assim que as pessoas enxergam a coisa...
Onde está o problema então?

Bom, para tentar responder a esta intrigante questão, vamos analisar separadamente a função de cada um dos lutadores:

O AUTOR
Este é o cara que tem a ideia. Ele a concebe, avalia e considera boa o suficiente para ser dita às outras pessoas. Assim, ele a acha digna de valer o trabalho de produção que leva sua ideia adiante.

Num mundo perfeito, o autor produz sua obra com o melhor que é capaz de fazer. Isso, claro, nem sempre acontece. Mas não entremos nesse mérito, o importante é que ele se esforça, se dedica e rala um bocado pra ter seu material publicado.

Mas o autor não é perfeito. Ele falha, erra como qualquer outro ser humano. Assim, nem sempre sua obra reflete a ideia original como ele gostaria ou a ela pode nem ser boa, desde o princípio.

Falhas no processo, limitações técnicas, erro de direcionamento, falta de conhecimento ou até alguma outra face do mesmo conceito podem levar uma obra ao fracasso de crítica e/ou público.

Cabe ao autor aceitar o risco, entender que ele não é perfeito e que a obra pode dar errado. E, quando dá errado, ele deve aceitar que as pessoas falem de maneira negativa sobre aquilo que ele fez.

O CRÍTICO
O crítico é, em teoria, um especialista em um determinado assunto. Ele pode ser um acadêmico, um jornalista ou outro tipo de profissional da área sobre a qual escreve.

Sua função é criar uma análise que serve para situar o leitor (ou telespectador, ouvinte, consumidor etc.) acerca do que ele irá encontrar na obra em questão.

A utilidade disso é muito simples: Eu, consumidor, posso ter ideia de se este ou aquele material trata de assuntos que são do meu interesse, se a produção tem méritos qualitativos etc.

O crítico tem como obrigação, claro, conhecer o assunto tratado na obra - bem como saber dos processos de produção que a envolvem.

Quem critica quadrinhos, por exemplo, não precisa ser um quadrinhista, mas tem que conhecer muito bem quadrinhos, entender os processos de produção, como funcionam as relações entre mercado e autores etc. 

Não vale só ter lido um monte de revistas.
A crítica em si precisa mostrar uma pequena sinopse da obra (para situar o leitor), apontar as questões técnicas boas e ruins, mas fazendo isso de maneira fria e impessoal – essa parte é muito importante: Cabe ao crítico basear-se aqui nas questões técnicas do assunto (ainda no exemplo das HQs: se o desenho funciona dentro de sua proposta, se a história é clara e passa o que deve passar, se a publicação tem erros de conteúdo e gramática etc.).

Depois, o crítico pode até inserir sua opinião, mas deve deixar claro que isso é um ponto de vista pessoal sobre a obra (eu gostei ou não do material, não gosto de histórias com essa temática, não concordo com o que o autor quis dizer etc.) e não uma verdade empírica.

Se o crítico não é imparcial neste momento ele pode acabar cometendo erros (afinal, assim como os autores, eles não são perfeitos) e pode ser injusto com o autor e todo o esforço e dedicação do mesmo para com a obra.

Desnecessário dizer que se os dois grupos, autores e críticos, entendessem e aceitassem seu papel nessa mecânica, este texto não existiria. Mas é aqui que temos um lutador misterioso que sempre está na surdina, manipulando a peleja:

O EGO
(latim ego, eu) s. m. - 1. [Psicologia] Na teoria freudiana, a personalidade psíquica do indivíduo, de que este está consciente e que exerce a função de controlo sobre o seu comportamento. 2. Núcleo da personalidade do indivíduo. 3. Conceito que o indivíduo tem de si mesmo. 4. Consideração ou apreço exagerado que alguém tem por si mesmo. = EGOTISMO

Vilão maléfico e desalmado, o ego não escolhe lados. Na maioria das vezes, quando há conflito entre crítico e autor, ele atua dos dois lados! É ele quem invade nosso ringue aqui e transforma algo que deveria ser apenas uma divergência de pontos de vista em um luta acirrada e violenta.

Quando atua atrás do autor, ele o cega completamente e o impede de ver seus próprios erros. Faz o ele se achar a oitava maravilha do mundo moderno, um ser genial incapaz de errar e com um incrível toque de “Midas cultural”.

Quando atua atrás do crítico, o ego cria um ser que se enxerga como o supra-sumo da sabedoria, senhor de um toque divino que pode elevar aos céus os seus “escolhidos” ou destruir completamente seus inimigos.

E, finalmente, quando o ego está por trás dos dois, autor e crítico se tornam os seres mais melindrosos do universo, reclamando uns sobre os outros para todos os que têm ouvidos e choramingando cada comentário feito sobre eles.

Quando chega neste ponto, a coisa fica insuportável: O autor já lança sua obra achando que é a coisa mais maravilhosa de todos os tempos e o crítico tece seus comentários se vendo como um Flash Gordon, derrubando imperadores narcisistas.

Mas, claro, nenhum deles é o que acredita ser. Ambos são cegos e se supervalorizam – e é aí que autores e críticos encontram suas similaridades... tudo culpa do famigerado ego!

Com o advento da internet, essa guerra se tornou ainda maior, mais rápida e mais suja. Antes, os veículos de comunicação, mesmo que sem querer, acabavam filtrando as coisas e as desavenças entre as duas classes eram resolvidas de maneira, digamos, mais privadas. Na net, principalmente nas redes sociais, a lei de ação e reação acontece quase de imediato, sem regras nem limites e rapidamente descambam para a baixaria.

Mas não só isso. A web promoveu o surgimento de muitos “autores” despreparados, sem estudo ou dedicação, que confundem popularidade com qualidade e centenas de “críticos” vazios, sem o conhecimento mínimo necessário e cheios de frustrações para descontar em terceiros.

Os autores precisam entender uma coisa: A crítica, seja ela positiva ou negativa, construtiva ou destrutiva, é a única maneira de reavaliar o próprio trabalho, por um ponto de vista que não é seu – e que, por consequência, é capaz de ver erros onde o autor não vê – e promover o amadurecimento de sua obra.

Os críticos, por sua vez, têm que entender que não cabe a eles denegrir nada e nem ninguém e que sua opinião acerca de algo é apenas mais uma opinião, tão passível de crítica e discordância quanto qualquer outra.

E vale lembrar que tanto obra quanto crítica são feitas para o público e não para alimentar o ego de quem as gerou.

FIM DO COMBATE.

VENCEDOR: Ninguém. Todo mundo sai perdendo quando um autor arrogante encontra um crítico imbecil.

5 comentários:

  1. Anônimo11:37 AM

    Parabéns, Barata. Texto afiado.

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  2. Anônimo2:27 PM

    Mas um detalhe: não existe crítica imparcial. A parcialidade começa a partir do momento em que o crítico decide falar de uma outra em detrimento de outra. Assim como não existe imparcialidade no jornalismo etc etc

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  3. Oi Anônimo.
    Existe crítica imparcial sim. Aquela que se sustenta sobre as características técnicas sobre uma obra. Nela vc aponta os pontos funcionais práticos da obra, não a sua opinião sobre a mesma, e não há detrimento de nada, apenas a obervação de falhas ou sucessos no processo envolvido.
    O crítico não precisa escolher um lado para escrever a crítica.

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  4. Anônimo11:14 PM

    Essa concepção de que o crítico tem como primeira função informar sobre caracteristicas da obra coloca o crítico como mero bibliotecário. Essa é uma distorção recente, a primeira função do crítico é fazer comentários valorativos, sim, sobre a obra. Também foi dito no texto que o crítico tem que deixar claro que a avaliãção é uma opinião pessoal. Essa afirmação me deixa em dúvida, será que alguém pode pensar que o texto do crítico foi ditado por Deus e não por alguem de carne e osso?Um crítico de arte deve ser alguém que tem alguma concepção filosófica do que seja arte, e seu texto deve refletir o desejo de preservar a arte de falsificações.Para tanto um crítico não deve emitir opiniões no sentido vulgar do termo. Opinião como um "eu acho por que eu acho", Como dizia o Professor Tibúrcio, "Por que sim não é resposta". O crítico deve argumentar e se o autor da obra ou alguém não concordar com a argumentação que contra-argumente. Talvêz seja mais comum que o autor haja como Vinicius de Morais que quando criticado em vez de argumentar disse que no nosso país sucesso alheio é ofensa pessoal. É bem mais fácil atribuir a crítica a inveja do que contra-argumentar, infelizmente.

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    1. Oi outro Anônimo (ou seria o mesmo de antes?).

      Primeiro, vc e todos os outros anônimos podem assinar seus comentários. Todas as opiniões são bem-vindas, mesmo que discordantes de meu texto acima publicado.

      Dito isso, não disse que o crítico não deva opinar sobre uma obra. Ele deve colocar seu ponto de vista e seus argumentos. O que ele não deve fazer é colocar seu ponto de vista como uma visão absoluta e indiscutível - o que acontece muitas vezes, infelizmente.

      E sim, o crítico deve sim fazer um "panorâma geral" da obra, informando sobre suas características mais elementares para situar o leitor da crítica das informações mínimas necessárias para o compreendimento, inclusive, da própria crítica. Sem isso, vira uma crítica muito vaga e pode perder força durante a argumentação.

      E outra coisa é que, quando falamos de arte e sua subjetividade, temos que lembrar que quando saímos do caráter técnico, estamos lidando com opiniões pessoais e que isso gera uma influência muito forte sobre o leitor. É responsabilidade sim do crítico deixar evidente quando aquilo que ele escreve é de caráter opinativo, é um ponto de vista pessoal. Isso serve até mesmo para deixar o claro que há espaço para se questionar o crítico. Não é justo que um crítico disfarce uma opinião (como muitos fazem) de características técnicas.

      Imagine, por exemplo, que eu não goste de "Mangá" e vá criticar uma obra caracterizada como tal. Não posso, por exemplo, dizer que ela é mal desenhada só porque eu não gosto do estilo. Se a arte tiver problemas de estilização, de caracterização, de continuidade ou coisas assim (que são características técnicas da obra) ela não é mal desenhada, não importa o quanto EU não goste.

      Num outro exemplo: Chico Buarque é um grande músico e compositor. Um nome a se destacar qualitativamente no cenário musical brasileiro.
      Eu detesto as músicas dele. Não gosto, acho chato, me dá sono, não me dizem nada...
      Vc acha justo que eu, só porque não gosto do tipo de música que ele faz, o defina como "um péssimo músico"?
      Não é justo com o autor e nem com os leitores. O Chico Buarque não é um péssimo músico e, por mais que não goste do trabalho dele, eu simplesmente não posso afirmar isso.
      Claro que a obra dele tem falhas, que ele não é perfeito. Mas entre ter falhas e ser um péssimo músico há uma enorme diferença. E apontar essa diferença é um dos papéis do crítico.
      E como o crítico pode fazer isso? Separando claramente o que é posicionamento técnico do que é pessoal.

      Deu pra sacar?

      Já do lado do autor, não sei se cabe a ele argumentar em defesa da própria obra. É ela mesma quem faz isso... a obra já é a "defesa" e a "argumentação" de uma ideia, um ponto de vista. Seria como "defender dua defesa". Não faz muito sentido pra mim.

      Uma vez que o autor tornou pública a obra ele deve é avaliar se conseguiu ou não o resultado que gostaria observando a reação do público e não fazendo um novo discurso sobre aquilo que ele já discursou...

      Não acha?

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